Quando falamos em tipos de vício (ou adição, ou dependência) estamos a falar de um padrão em que a pessoa perde controlo sobre um consumo ou comportamento, continua apesar das consequências e tem dificuldade em parar sozinha. Isso pode envolver substâncias psicoativas (como álcool ou drogas) ou comportamentos aditivos (como jogo, internet ou compras impulsivas).
1) Vício, adição e dependência: do que estamos a falar?
A literatura científica descreve a adição como uma condição crónica, marcada por procura compulsiva da substância ou comportamento e uso continuado apesar de consequências negativas. A área do cérebro ligada à recompensa e à motivação é alterada, tornando mais difícil “simplesmente decidir parar”.
Em Portugal fala-se frequentemente em “comportamentos aditivos e dependências” para englobar tanto o consumo de substâncias como certos comportamentos que se tornam descontrolados. Em termos práticos, importa menos o rótulo e mais perceber: o que está a acontecer, que riscos existem e que tipo de ajuda é mais adequada agora.
2) Tipos de vício relacionados com substâncias
As dependências de substâncias (também chamadas “dependência química” ou “perturbações por uso de substâncias”) incluem o uso problemático e persistente de substâncias psicoativas que alteram o funcionamento do cérebro e do corpo.
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Dependência de álcool – consumo repetido que foge ao planeado, necessidade de quantidades crescentes, dificuldade em parar, impacto no trabalho, família e saúde física.
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Dependência de canábis e outros canabinoides – uso regular com impacto na atenção, memória, motivação e relações; em algumas pessoas, associado a ansiedade, sintomas psicóticos ou agravamento de quadros mentais pré-existentes.
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Dependência de cocaína, anfetaminas e outros estimulantes – consumo que altera sono, apetite e humor, com episódios de euforia seguidos de “quebras” marcadas, risco cardiovascular e grande potencial de perda de controlo.
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Dependência de opioides (como heroína ou analgésicos opióides) – forte risco de overdose, síndrome de abstinência intensa e grande interferência no dia a dia. Exige avaliação clínica cuidadosa e, muitas vezes, abordagens específicas de substituição/estabilização.
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Dependência de benzodiazepinas e outros sedativos – uso prolongado de ansiolíticos/hipnóticos, muitas vezes iniciados em contexto médico, que evolui para necessidade de dose crescente, dificuldade em dormir sem o fármaco e sintomas de abstinência quando tenta reduzir.
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Tabaco e nicotina – apesar de socialmente mais aceite, a nicotina é altamente aditiva, com impacto importante na saúde cardiovascular e respiratória.
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Outras substâncias – por exemplo, solventes/inhalantes e combinações de várias drogas (“padrões mistos”), que aumentam o risco de intoxicação aguda e complicações graves.
A mesma pessoa pode ter mais do que um tipo de vício em simultâneo (por exemplo, álcool e benzodiazepinas), o que reforça a importância de uma avaliação integrada.
3) Comportamentos aditivos (vícios comportamentais)
Nos comportamentos aditivos não há uma substância a ser ingerida, mas o padrão é semelhante: perda de controlo, continuação apesar de prejuízo e dificuldade em reduzir sozinho. Alguns destes comportamentos já têm diagnósticos formais em manuais internacionais; outros estão em estudo, mas são clinicamente relevantes e exigem atenção.
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Jogo a dinheiro (jogo patológico / perturbação de jogo) – necessidade de apostar quantias crescentes, mentiras para encobrir, dívidas, impacto na família e no trabalho. É o primeiro comportamento reconhecido formalmente como “perturbação por comportamento aditivo” em sistemas de classificação internacionais.
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Jogo eletrónico e gaming – uso de jogos online ou offline que se torna dominante na vida da pessoa, com perda de controlo, abandono de outras atividades, impacto escolar/profissional e conflito familiar. Alguns casos enquadram-se hoje em diagnósticos específicos de “gaming disorder”.
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Uso problemático de internet e redes sociais – horas prolongadas online, dificuldade em desligar, interferência com sono, relações, estudo ou trabalho; muitas vezes associado a ansiedade, solidão ou outros quadros mentais.
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Compras compulsivas – compras repetidas e impulsivas, acima das possibilidades, para aliviar tensão ou emoção negativa, seguidas de culpa e conflito financeiro/familiar.
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Comportamentos sexuais compulsivos – padrões repetidos de procura de sexo ou consumo de pornografia que escapam ao planeado, geram risco ou sofrimento e são difíceis de controlar.
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Trabalho e exercício em padrão aditivo – quando a atividade se torna rígida, dominando o tempo, as relações e a saúde, e a pessoa continua apesar de sinais de exaustão física ou emocional.
Nem todos os comportamentos intensos são um “vício”. A diferença está no grau de perda de controlo, no sofrimento e no impacto nas várias áreas da vida.
4) O que são “problemas de adição”?
Muitas pessoas perguntam: “Tenho um vício ou só um problema de adição?”. Na prática, pensamos em continuum: vai desde o uso ocasional, ao uso de risco, ao padrão claramente dependente. Os critérios clínicos usados em psiquiatria agrupam-se, de forma simplificada, em quatro grandes áreas:
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Controlo prejudicado – usar mais do que o planeado, não conseguir reduzir, passar muito tempo à volta do consumo ou do comportamento.
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Prejuízo social – impacto em casa, no trabalho, na escola ou em atividades que antes davam prazer; conflitos, isolamento ou perda de papéis importantes.
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Uso arriscado – consumo em situações perigosas (condução, trabalho com máquinas, mistura de substâncias) e manutenção apesar de problemas médicos ou psicológicos.
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Critérios físicos (tolerância e abstinência) – necessidade de doses maiores para obter o mesmo efeito e sintomas físicos/psicológicos quando reduz ou interrompe.
Quanto mais destas áreas estiverem presentes, maior a probabilidade de estarmos perante uma dependência e não apenas um “mau hábito”.
5) Exemplos de tipos de vício e onde cabem no tratamento
Alguns exemplos de como estes tipos de vício aparecem na prática e como se ligam a áreas de tratamento:
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Álcool como forma de “desligar” ao fim do dia, que foi aumentando até provocar faltas ao trabalho e discussões – pode enquadrar-se em tratamento do alcoolismo.
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Uso de várias drogas (por exemplo, canábis, cocaína e comprimidos) para lidar com emoções difíceis – poderá exigir tratamento da toxicodependência com foco em co-ocorrência com saúde mental.
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Jogo online ou em casinos com dívidas crescentes e ocultação – enquadra-se em tratamento da adição ao jogo, muitas vezes com trabalho paralelo com a família.
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Comportamentos aditivos associados a depressão, ansiedade ou perturbações de personalidade – podem requerer intervenção integrada em saúde mental e comportamentos, ou perturbações de personalidade.
O objetivo não é encaixar a pessoa num rótulo, mas construir um mapa claro do que se passa para escolher o tratamento mais adequado.
6) O que pode fazer hoje se se revê em algum destes tipos de vício
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Falar com alguém de confiança sobre o que tem acontecido – quebrar o isolamento é um passo importante.
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Procura de avaliação confidencial – uma conversa com profissionais ajuda a perceber em que ponto do “continuum” está e que riscos existem.
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Evitar decisões impulsivas (por exemplo, parar sozinho bruscamente em casos de consumo intenso de álcool, benzodiazepinas ou opioides) sem orientação clínica.
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Explorar informação fidedigna sobre os tipos de vício e tratamentos, evitando soluções “milagrosas” ou conselhos contraditórios na internet.
Conteúdo preparado pela RAN — Clínica. Última atualização: .